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Análise da música: A Via Láctea – Renato Russo

Vou analisar neste post a música de Renato Russo que faz parte do seu último álbum: A Tempestade. A música Via Láctea reflete o momento mais difícil do cantor, que sabia que não tinha muito tempo de vida. E se você nunca foi fã do Renato Russo, quero apenas registrar que ele lutava contra o vírus da Aids, cujo tratamento efetivo ainda era indisponível para os acometidos por essa doença. A Aids era uma sentença de morte na década de 80. Diante desse contexto, vou começar minha análise, deixando claro que é apenas a minha opinião e você tem todo o direito de pensar diferente. 

“Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz”

O letrista começa por dizer que seus amigos tentam lhe dar algum tipo de consolo. “Calma! Há sempre uma saída. Nem tudo está perdido. Vamos procurar uma luz no fim do túnel”. Ser humano nenhum, em bom estado emocional aceita a derrota sem lutar. Renato Russo não seria exceção. Mas parece que ele não tinha forças suficientes para travar uma batalha com um inimigo tão grande e forte. Mas ele recebia palavras de conforto, de ânimo. É o que dá a entender esse trecho da música.

“Mas não me diga isso
Hoje a tristeza não é passageira
Hoje fiquei com febre a tarde inteira”

Em outras palavras: “Não venham me iludir. Eu sei que não é nada disso. Essa tristeza não vai passar. Os sintomas que tenho tornam evidente que está piorando. Eu não posso vencer essa doença. Cazuza morreu há 6 anos. É isso que vai acontecer comigo também. Não há recurso”.

“E quando chegar a noite
Cada estrela parecerá uma lágrima”

“Eu não consigo ver nada bom. Está vendo aquelas estrelas? Para mim são apenas lágrimas de uma dor profunda”.

“Queria ser como os outros
E rir das desgraças da vida
Ou fingir estar sempre bem
Ver a leveza das coisas com humor”

“Não preciso fingir que está tudo bem, pois sei que não está. Sinto o peso dessa doença. Não vou conseguir rir de tudo isso. Não adianta fingir”.

“Mas não me diga isso
É só hoje e isso passa
Só me deixe aqui quieto
Isso passa
Amanhã é um outro dia não é”

“Não tente me iludir. Não vou ficar bem. Me deixe aqui, quieto. Não, isso não vai passar. Amanhã é um outro dia, mas esterei pior do que hoje”.

“Eu nem sei por que me sinto assim
Vem de repente, um anjo triste perto de mim”

Renato Russo não era um homem religioso. Mas era comum mencionar passagens bílicas em suas letras, como na música Monte Castelo. Agora ele menciona “anjo triste”. Essa não é uma frase que remeta a um anjo bom, de Deus, mas a um anjo mal. Referências Bíblicas apontam para existência de anjos bons e maus, rebeldes. Ao mencionar “anjo triste” ele sabendo ou não direciona sua atenção para anjos maus, ou demônios.

“E essa febre que não passa
E meu sorriso sem graça
Não me dê atenção
Mas obrigado por pensar em mim”

Pela segunda vez ele menciona “febre”. Seu corpo dava um sinal gritante de que nada estava bem. Não tinha mais forças para sorrir, mas agradecia por aqueles que se lembravam dele.

Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz
Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Eu me sinto tão sozinho
Quando tudo está perdido
Não quero mais ser quem eu sou

Me chama atenção essa parte: “Não quero mais ser quem eu sou”. Um artista com tamanha projeção nacional e fãs com ligação quase religiosa ao seu ídolo dizer que ‘não quer mais ser quem é’? Como assim? A carreira estava paralisada. E pelo visto ele havia realmente desistido de tudo. Mas que opção teria ele?

Mas não me diga isso
Não me dê atenção
E obrigado por pensar em mim
Mas não me diga isso
Não me dê atenção
E obrigado por pensar em mim

“Sou um mero moribundo. O que você está fazendo aqui, perdendo seu precioso tempo comigo? Agradeço por pensar em mim, mas vá embora”.

Que lição tiramos da música “A Vía Láctea”?

É gritante o total desamparo do ser humano diante da morte iminente. Renato estava doente, mas suas faculdades mentais foram preservadas até o fim, dando a ele uma visão completa de tudo que estava acontecendo e de tudo que sobreviria sobre ele. Deve ter sido muito doloroso para ele e para sua família. 

Não adianta dizer que ele viveu intensamente. Ninguém quer morrer. Ele não queria abandonar sua carreira, seus projetos, as pessoas que amava. Era um homem com grande conhecimento intelectual e queria dividir isso com todos. Mas infelizmente foi tragado por uma doença que até então matava em pouco tempo.

A lição que fica é tentar viver da melhor forma possível, fazendo boas escolhas. A vida é efêmera. Precisamos derivar dela o melhor proveito, zelando pela nossa saúde. Precisamos trabalhar, mas a vida não é nosso trabalho, carreira ou negócios. Temos que identificar e obedecer nossos limites. 

E você, o que achou? Deixe seu comentário. Compartilhe com seus amigos e até a próxima!

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Alexandre Américo dos Santos

Achei simplesmente excelente a reflexão! Acabei de ouvir a música (adoro Legião Urbana) e pensei em pesquisar tal letra, pois fica muito evidente que ele havia escrito em seu pior momento (saúde). Que Deus o tenha em bom lugar e que possamos viver nossas vidas no intuito de deixarmos um legado que possa ser lembrado por todos, da melhor maneira possível.

Helio Pere

Muito obrigado, Alexandre. Que bom que gostou! 😉

IRCS

Muito bom. Fui muito fã das letras do Renato Russo ( apesar de achar ele “meio” louco…).
Mas foi triste saber que ele se entregou a doença…
Só um detalhe: naquela época, AIDS não era mais tão “fatal”…havia tratamento, apesar de difícil, sofrível, com o doente tomando vários remédios por dia…hj o tratamento tá bem mais “tranquilo”…

Helio Pere

Obrigado pelo comentário e bem vindo ao blog Helio Pere 😉

Lucia Regina Lima

Gostei da sua análise, parabéns. O RR é inesquecível, inteligênte, artista completo, a AiDS o derrubou, mas não conseguiu derrubar seu legado musical.

Helio Pere

Obrigado! 🙂

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